Semana passada, fizemos coro aos protestos contra a decisão da Anatel de permitir que as operadoras de internet limitem o volume de dados usados pelos usuários. E mesmo com um sonoro e indignado som de desaprovação à nova medida por parte da população, a Anatel se defende dizendo que não notou manifestações o suficiente para mudar sua decisão. Talvez os prédios da Anatel já tenham internet limitada e eles estão apenas recebendo notícias por sinal de fumaça.

O fato é que a Agência Nacional de Telecomunicações já tomou partido pela causa, não está nem aí para proteger o direito do consumidor e segue apresentando argumentos que não param em pé, nem mesmo escorados pela aberração publicitária divulgada pela Vivo na última semana.

Propaganda aliás que saiu pela culatra, com a crítica ao serviço prestado pela operadora e por ser considerada uma das líderes do movimento que planeja limitar o acesso à internet com planos de franquias. O comercial, que foi publicado no YouTube, já recebeu 270 mil avaliações negativas, contra 8 mil positivos. Além dessa excelentes versões (1, 2, 3).

De novo, e mais uma vez, a justificativa da Anatel e das operadoras é a de que a internet limitada vai melhorar a qualidade da conexão, de forma geral. Esse argumento parece ter saído da mesma caixa de lorotas que saíram os pacotes de internet de 15 megas que entregam 2.

A história ficou ainda mais deplorável quando o presidente da Anatel veio a público dizer que a era da internet ilimitada acabou e que os gamers são grandes responsáveis por isso.

Esconde-se, no entanto, que em 2010 as operadoras de telefonia móvel ganharam espaço e investimento do governo para expandir seus serviços para o mercado de tv por assinatura, mercado que crescia a altos números. Seis anos mais tarde, o investimento feito por elas não compensou, especialmente graças aos novos conteúdos produzidos dentro do YouTube e depois da chegada do Netflix, que já possui receita de R$ 500 milhões só no Brasil.

O Netflix, claro, não é a razão dos problemas das operadoras, mas tornou-se aquela pedra incômoda no sapato. Com os investimentos em tv por assinatura não dando o retorno esperado e um concorrente que usa da própria infraestrutura das operadoras para se expandir, a decisão mais óbvia foi cortar a fonte, sem se importar com os prejudicados.

O fato da Anatel ignorar essa realidade e continuar defendendo a banda larga limitada compromete qualquer tentativa de se levar o órgão a sério. Os argumentos da agência vão, inclusive, contra o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014.

Discute-se ainda que a internet deve ser cobrada da mesma forma que água e energia. (Respira). Diferente de água e energia que são recursos provenientes de fontes limitadas, geralmente de alto impacto ambiental, e que o consumo exagerado por parte de alguns usuários levaria a desabastecimento e apagões no sistema, a questão da internet se resolve com uma coisa simples. Infraestrutura.

Não estamos querendo simplificar a infraestrutura envolvida para manter funcionando uma rede que chega a casa de 57% dos lares brasileiros. Sabemos que tecnicamente não é algo fácil. Mas já pagamos caro para isso acontecer. De forma geral, internet no Brasil não é um serviço barato e geralmente vem atrelado a outros serviços, como linha de telefone fixa, que entram nos gastos, mas são subutilizados pelo usuário, tornando-se apenas lucros para as operadoras.

Não existe espaço para ingenuidade em acreditar que a Anatel está, de fato, defendendo interesses da população, enquanto esta, luta e se debate contra uma decisão que parece ter sido tomada antes de anunciada.Assim sendo, a Anatel soma-se ao mesmo time de burocratas que criam as regras para controlar quem paga e não quem está lucrando

 

Foto: Shutterstock

 

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André Fantin

Editor do Repertório Criativo, publicitário e escritor por teimosia. Atualmente vive na Irlanda em busca de inspiração.