Como alguns de vocês provavelmente sabem, minha mãe faleceu quando eu tinha 1 ano. Aos três, segundo a minha avó, eu costumava brincar no quintal com uma pessoa invisível que eu chamava de mãmãe. Aos quatro, lembro de andar pela casa à noite e ver uma pessoa de branco me acompanhando. E não sentia medo.

Anos mais tarde, quando eu tinha já 14, um primo (com quem eu não tinha muito contato por ser bem mais velho) faleceu em um terrível acidente de carro. Não cheguei a ir em seu velório, nem visitar seu túmulo. Na época morava em outra cidade. E, para ser bem honesto, não senti muito a perda, pois, como eu disse antes, não éramos próximos.

Acontece que algumas semanas após a sua morte, eu tive o sonho mais realista da minha vida. Diferente dos sonhos que costumo ter, esse era bem realista e até hoje eu me recordo de cada detalhe.
Eu estava parado, em pé, em um lugar terrivelmente escuro, meio azulado, cheio de pedras. Ao meu lado uma pessoa de branco. Era alta, mas eu não conseguia ver seu rosto. Sei que ela me acompanhava e me dizia para seguir em frente porque estávamos ali para tirar o meu primo daquele lugar.

Andamos por um bom tempo entre as pedras, lembro de atravessarmos uma pequena ponte e depois cruzarmos por um portão de ferro bem alto. Andamos mais um pouco e chegamos até o meu primo. Ele estava nu, sujo e encolhido em cima de uma pedra.

Eu e a pessoa de branco o recolhemos da pedra, e ajudamos ele a sair daquele lugar. Depois que cruzamos o portão de volta eu acordei. E este foi o primeiro sonho. A primeira vez que comentei com outras pessoas sobre esse sonho foi alguns anos mais tarde quando eu passei a ver uma pessoa de branco me acompanhando em quase todos os lugares que eu ia. Na rua, supermercado, em casa. Sempre alguém me acompanhando. Mas claro, que a essa altura da vida a inocência de criança não existe mais e passei a ficar com medo. Ter a sensação de estar sendo seguido nunca é bom, não é verdade? Nessa época eu já tinha 16 anos e depois de um curto período de tempo minha companhia esbranquiçada desapareceu.

A última vez que a vi (ou o vi) foi logo depois que eu completei 18 anos. Estava indo dormir e ela passou na minha frente, indo em direção ao quarto dos meus avós. Depois disso nunca mais tive qualquer experiência. Até o último final de semana, quando tive o segundo sonho que me deixou realmente mal e me fez chorar por alguns minutos. Desculpe pela sinceridade.

Bem, fui dormir cedo no sábado e tive uma noite tranquila e de sono pesado. O sonho começa comigo e mais alguns amigos sendo convidados para conhecer o paraíso. Lembro que no sonho eu não estava interessado, mas havia várias pessoas na fila. As pessoas estavam sendo identificadas por números e letra. Eu fui marcado na testa com grafite com o número 762-F. Lembro de ter sido uma mulher quem escreveu isso em mim.

Os primeiros passos no paraíso (é o céu mesmo que tô falando, gente) foram bem tranquilos. Muito verde, muita árvore, pessoas vestidas de branco por todos os lados e um lago esverdeado. Tinha várias pessoas ao redor desse lago. Fazendo o que eu não sei direito, mas estavam lá. Depois que eu entrei no céu, um amigo meu me acompanhou por todo o caminho. Enquanto andávamos pelo lago vimos uma pessoa se afogando. Ela tinha correntes nos braços e parecia bem fraca. Na hora eu achei a situação dela muito parecida com a do meu primo no primeiro sonho. Meu amigo se jogou no lago para puxar a pessoa, mas começou a ser arrastado para o fundo. Pulei em seguida para ajudá-los e consegui puxar meu amigo pelo braço. Juntos, conseguimos arrastar a pessoa até a margem e deixar com um senhor de idade (acho que uns 60 anos). Ele era parcialmente careca (cabelo só em volta mesmo) e completamente grisalho. Ele nos agradeceu e pediu desculpas, poisa deveria estar cuidando daquela pessoa.

Enfim… fiquei um pouco aborrecido mas continuei andando. O detalhe engraçado aqui é que eu não estava mais molhado quando saí do lago. Continuamos andando até avistarmos vários prédios. Muitos deles. Nenhum com mais de três andares. Eles não tinham escadas. Todos tinham rampas enormes. Algumas de cimento, algumas de madeira. Os prédios eram bem variados e identificados por números. Andei por muitos e muitos prédios vendo o que as pessoas faziam dentro deles. Todos estavam trabalhando. Ajudando em manutenção e cuidando de pessoas, basicamente. Em alguns outros prédios tinham pessoas fazendo serviços que eu não faço a menor ideia do que sejam. Sério. Não faço ideia.

Continuamos andando, eu e meu amigo, observando as pessoas que estavam no céu. Uma mulher nos explicou que várias pessoas que morrem ficam alguns dias andando calmamente, apreciando ou simplesmente sem saber o que fazer.

As pessoas recém chegadas não usavam roupas brancas. Usavam roupas normais que eu e você conhecemos. Eu não conseguia ver a roupa que eu estava usando, o meu amigo usava roupas brancas também. Eu não sei bem por que, mas eu tinha um horário a cumprir. Não poderia ficar ali por muito tempo. Estava mesmo de passagem. Comecei a me assustar no sonho quando eu de repente (não sei qual foi o gatilho para isso), mas eu senti uma forte necessidade de ir atrás da minha avó paterna (que – graças a Deus – está bem viva).

Fui tomado por desespero e comecei a andar por todos os prédios procurando algum sinal da minha avó. Eu sabia que não poderia sair dali sem antes falar com ela. Tentei saber das pessoas que estavam em volta e ninguém soube me informar absolutamente nada. Até que, por um acaso, encontramos com uma recém chegada que nos informou que o prédios dos idosos era o número 34. Nessa hora eu me dei conta que todos os prédios existiam para agrupar pessoas. Inclusive notei que o prédio das crianças estava em construção. Este parecia maior que o dos outros, lembro de ter uns quatro andares.

Correndo contra o tempo, a recém chegada arrastou eu e meu amigo até o prédio 34 onde, supostamente, eu deveria encontrar a minha avó. O prédio 34 era todo de cimento, branco e com inscrições em azul. Eu subi a rampa de entrada e fui até o segundo andar. Primeiro vi uma senhora sentada em uma cadeira e achei que fosse ela, mas estava enganado.

Depois andei até o parapeito de onde eu tinha visão do primeiro andar e vi a minha avó (de verdade) andando. Ela estava usando um tipo de jaleco azul e estava muito séria. Eu gritei por ela, mas ela não se virou para falar comigo. Desci a rampa muito desesperado até onde ela estava. Chamei por ela mais uma vez e ela ainda não respondia. Parecia um pouco aborrecida. A primeira e única vez que ela olhou para mim foi quando eu disse a ela que eu não estava morto e que tinha ido até ali somente para vê-la. Mesmo assim ela me olhou de esguelha e deitou em uma máquina para trabalhar. O trabalho dela era outro que eu não entendia. Ela ficava “soldando” (na falta de uma expressão melhor) uns pedaços de plástico azul em uma chapa branca. A chapa branca tinha algumas coisas inscritas que eu não me me lembro direito. Lembro que tinha alguma coisa escrita “VT” ou “NT”.

Bem, depois de tentar falar com a minha avó e ser praticamente ignorado, uma mulher muito nervosa se aproximou de mim e disse que eu não deveria estar ali, que deveria ir embora e que eu estava atrapalhando “o processo”. Essa mulher me encarou e me segurou pelos braços e insistiu para que eu fosse embora dali. Então acordei.

Nos primeiros minutos acordado relembrei toda a doideira que tinha sido o sonho. Detalhe por detalhe que descrevi aqui. E tentei procurar algum sentido nisso tudo. Honestamente, não encontrei. Conversei com poquíssimas pessoas sobre esse sonho até então. Duas, na verdade. Minha irmã e uma amiga. cada uma com uma versão diferente sobre o que pode ter sido isso. Nem sei por que me dei ao trabalho de escrever tudo isso. Mas achei que devia desabafar um pouco. Obrigado.

 

Postado por André

Written By

André Fantin

Editor do Repertório Criativo, publicitário e escritor por teimosia. Atualmente vive na Irlanda em busca de inspiração.