Sabemos que a discriminação impera em todas as cadeiras sociais de conhecimento desde que o homem é homem; desde sua concepção que data de mais ou menos 7 mil anos. Hoje em dia ela, a discriminação, voltou a estar em voga e/ou como dizemos na gíria “está em moda”. Como sempre foi e infelizmente como sempre será, mas não só no ponto de vista moral e/ou intelectual da coisa, mas também no ponto de vista artístico da questão. E será sobre este ponto de vista que tentarei dissecar, para vós leitores, tudo o que sinto e convivo nesta incrível jornada que é fazer arte usando a rua como um palco, o mais extenso de todos os palcos existentes no universo, nesta matéria-crônica que segue-se.

A discriminação com a arte se faz presente hoje em dia de diversas facetas. Seja na ação, seja na formatação de pensamento do inconsciente coletivo. Ouvimos todos os dias, e até certo ponto proferimos/pensamos tais imbecilidades a respeito da arte que se faz fora do universo das ditas “academias do conhecimento”, que ditam como um Hitler travestido de anjo, regras de como a arte deve ser feita.

Isto é um erro dos mais canalhas e retardados daqueles que passam os conhecimentos de/sobre arte para frente, ou seja, os ditos “mestres”. Daí, tu me perguntarás leitor: “E o que faremos nós com a teoria e prática?”. Tal resposta é muito simples.

Peguemos ambas e apliquemos num contexto de um local macrocósmico, ou seja, na rua. No grandíssimo palco feito de petróleo. Nas ruas, praças, metrôs em cada parte e lugar. Ela – a arte urbana – deve ser concomitante a teoria da mesma, ou seja, deve andar de corpo colado, onipresente e concomitantemente com a prática em todos os seus âmbitos. Principalmente na rua, porque assim toda a população cairá em si, individual e coletivamente e começará a enxergar que, o melhor da arte não é aquela que é feita de produtos culturais para o dito “povão” mas desabastecido de cultura, ou seja, acéfalos artísticos que consomem o lixo podre da arte mercadológica em todas as áreas: tv, teatro, música, etc. Devemos parar e pensar cada vez mais em qualidade artística.

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Foto músico no metro: Elena Dijour / Shutterstock.com

Hoje em dia a arte está no meio do povo com fácil acesso, mas o mesmo despreza-a cada vez mais. Digo isto tomando como base vários shows e eventos artísticos de uma qualidade inquestionável que presenciei, mas com pouquíssimo número de pessoas na plateia.

Outro ponto importante de se ressaltar é que, muitas das vezes um artista de rua está do nosso lado, fazendo arte ou não, e nós nunca paramos para observar que, mesmo querendo ou não, ela, a arte, está presente concreta e inconcretamente. Para tu veres como isso é real, citarei alguns exemplos de arte que são feitas nas ruas e que não nos damos conta de que é arte, seja no Brasil ou lá fora. Vejamos: Jef Aerosol e Pixel Pancho no grafite, os grupos Tá na rua e Galpão no teatro, os cineclubes que realizam sessões gratuitas nas ruas das cidades e povoados, etc. 

O parágrafo acima, me remete a alguns fatos que ocorreram comigo, enquanto estava no metrô em minha cidade. Um deles, me inspirou a escrever esta matéria. E vamos aos fatos.

Estava eu voltando para casa, voltando do centro da cidade após um exaustivo dia de caça de trampo, isto é, trabalho na linguagem da gíria, cansado, tão cansado que eu peguei num sono bom. Alguns minutos se passaram, e eis que ouço som de música, ou melhor, de instrumentos musicais se movimentando ao vento. Acordo. Me deparo com duas figuras simples, mas portando duas “armas” das mais belas, isto é, um tambor todo colorido de verde, vermelho e amarelo nas mãos do primeiro, e um triangulo nas mãos do segundo.

Ambos são cubanos. Notei isso pela simples pronúncia do castelhano, e até mesmo porque ambos, assim que adentraram no vagão em que eu estava, se apresentaram com seus nomes (que já me esqueci) dizendo que haviam vindo de Cuba e que estavam no metrô fazendo arte em troco de grana. Em seguida, os dois começaram a executar cumbias, um ritmo característico de música cubana, fazendo o vagão que eu estava “vir a baixo” com pessoas sentindo a canção com palmas e/ou com o corpo, mesmo que em gestos pequenos.

Já eu pirei onde eu estava sentado, tanto pelas músicas, tanto pelos instrumentos e até certo ponto também, pelo esforço dos dois em pronunciar bem o português. Um dos fatores que mais me impressionaram a princípio, foi a total falta de respeito do metrô com a arte de rua, isto é, com os músicos cubanos que, por conta de medo de serem reprimidos pelos guardas, assim que chegavam em alguma estação, tinham de se abaixar e tocar a canção que estava sendo executada baixinho para não serem percebidos. Logo após o vagão sair de uma determinada estação tudo voltava ao normal.

Aquilo foi uma verdadeira cena de guerra entre arte e empresas concessionárias de transporte público da cidade, que não enxergam que a arte deve ser feita na rua, perto da plateia, como era feita na época da commedia dell’arte; que é na rua o lugar da arte, e não num museu ou teatro. E tal concessionária ainda por cima é muito da hipócrita, dizendo que não pode se fazer arte dentro dos vações e nas estações, sendo que, entre os meses de Setembro e Novembro de 2014, o próprio metrô sediou o festival webfestValda de música de rua.

Mas saiamos deste fato da relação metrô-arte e voltemos aos fatos leitor. O segundo fato (que originou a redação desta matéria) foi o seguinte: estava eu também no metrô no início de 2015, só que dessa vez indo em direção a Tijuca, e eis que me aparecem dentro do vagão em que eu estava uma dupla de músicos. Assim que bato os olhos sobre ambos, já vou logo com a wibe dos dois. Aura boa, como diriam os hippies. O primeiro (Igor Keller) já me chamou a atenção pelo visual um pouco parecido com o meu; em seguida, o segundo (Lázaro Cruz) também me chama a atenção pela cabeleira a lá Peter Tosh.

Ambos relatam das dificuldades da arte no meio de transporte público e começam sua apresentação. Já fico fissurado no som da dupla. Tanto no som do violão, quanto também no som da gaita e do belíssimo saxofone feito de bambu que um dos membros da dupla executa em uma das canções. Descemos os três na mesma estação. Eu estava tão contente por ver a arte em seu maior palco que logo puxei assunto, disse que escreveria uma matéria sobre arte de rua e trocamos tanto contatos quanto informação.

Dias se passaram após este último fato. Num desses dias, abro minha rede social e me deparo com um vídeo do violonista sendo agredido por guardas do mesmo metrô. Fico paralisado diante da dela do computador e começo a pensar sobre o real papel da arte no lugar público. Não penso duas vezes. Vou para minha fanpage e publico o vídeo com um texto relatando toda a minha indignação pelo fato (clique aqui).

Mais dias se passam e tudo terminou como infelizmente todos os fatos no Brasil e na arte nacional: em nada. Nem ações desse tipo, a violência psico-física, conseguiram alarmar tanta gente que diz que arte de rua não é arte.

Finalizando: arte urbana e/ou arte de rua também é arte. Artista de rua sofre muito mais nas mãos do poder público do que os outros. Não quero dizer que os outros também não sofram, mas a carga jogada sobre o artista de rua consegue ser mais pesada e letal que a carga dos outros. O resultado disso tudo é uma espera infinita para que tudo posso mudar. Esperemos e torcemos para que realmente mude. Tomara!

 

Written By

André Fantin

Editor do Repertório Criativo, publicitário e escritor por teimosia. Atualmente vive na Irlanda em busca de inspiração.